Trem-Bala | Confira nossa crítica

"Trem-Bala" desfila suas referências pops e narrativa espalhafatosa, querendo ser mais comédia do que ação. Confira a crítica!
Trem-bala-filme
Ficha Técnica
Título: Trem-Bala (Bullet Train)
Ano de Produção: 2022
Dirigido Por: David Leitch
Estreia: 04 de agosto
Duração: 02h07min
Classificação: 16 anos
Gênero: Ação
País de Origem: Estados Unidos
Sinopse: Cinco assassinos a bordo de um trem-bala em movimento descobrem que suas missões têm algo em comum.

 

Em 2014, estreava “John Wick – De Volta ao Jogo”, dirigido por Chad Stahelski e codirigido por David Leitch. Dois ex-dublês: um de Keanu Reeves em filmes como “Matrix” e outro de Brad Pitt em filmes como “Troia”, respectivamente. Depois do primeiro sucesso, Stahelski seguiu comandando a saga de Wick, enquanto Leitch assumiu capítulos de grandes franquias cinematográficas, como “Deadpool 2” e “Velozes e Furiosos: Hobbs e Shaw”. Agora, com “Trem-Bala”, baseado no livro de Kotaro Isaka (confira nossa crítica aqui) David Leitch persegue o caminho por fora das franquias de estúdio, juntando sua patota para fazer um filme que estabeleça seu nome como cineasta de projetos próprios. E desfilando seu estilo pop cheio de referências e narrativa espalhafatosa.

Brad Pitt interpreta Joaninha, um assassino azarado que, reabilitado, é colocado na missão de roubar uma maleta em um trem bala no Japão. Porém, a falta de sorte o coloca no meio de uma trama intrincada, cheia de adversários letais de todo o mundo, com objetivos conflitantes, presos no mesmo trem. A escolha de Brad Pitt, ator para quem Leitch trabalhou como dublê, não é despropositada. Principalmente com o personagem assumindo um ar de galã maduro e relaxado, revendo seus conceitos sobre a vida e tentando fazer o que precisa numa boa. A duplicidade ator/diretor reverbera a posição de Leitch de se colocar numa nova fase, ao mesmo tempo mais pessoal e descompromissada, que dê vazão ao projeto de ação milionário pela chave do humor e dos interesses com as reviravoltas e brincadeiras com o tempo narrativo.

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As inspirações do diretor para sua visão própria do cinema são bem claras: a violência gráfica, caricata e a trilha sonora que pontua os momentos badass de Tarantino, e o vai-e-vem espacial e temporal de Guy Ritchie, diretor dos filmes de gângster “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” e “Snatch – Porcos e Diamantes”. O que significa dizer que as poses e piadas são abundantes. Porque “Trem-Bala” é acima de tudo uma comédia embalada num estilo pop-art, cheio de neons, cores fortes e uma plasticidade de histórias em quadrinhos. Cada personagem é uma caricatura de vilão, com os devidos preconceitos regionais: os japoneses são samurais ou fãs de bichinhos de pelúcia de criaturas de animes, tipo Pokémon; ingleses são frios e bem-vestidos; e sulamericanos vivem em florestas chuvosas e se envolvem em massacres sangrentos que mais parecem ataques em acampamento das FARC. Pelo menos, dá pra considerar que o olhar de um americano meio estúpido para o resto do mundo está bem representado na autoparódia feita por Brad Pitt. E que é justamente esse espírito bobo e zoeiro que Leitch busca.

Mas, se o filme se coloca como um espetáculo frenético de ação e uma espécie de farsa bem-humorada, ele tem dificuldade em se sustentar em ambos os aspectos. O trem serve como um espaço de confinamento, onde os assassinos de diversas partes do mundo se encontram, cada um com a própria missão, e tentam sobreviver enquanto atacam uns aos outros. Nesse sentido, Leitch consegue empregar bem a variação dos vagões, com visuais (e até regras) próprios, para isolar cada conflito e dar um senso de progressão que é ao mesmo tempo espacial e narrativo. Porém, as boas coreografias de luta são constantemente sabotadas pela montagem rápida, que dificulta a compreensão dos movimentos e atrapalha o empenho dos astros. Vindo de um diretor que é ex-dublê e que codirigiu “John Wick”, não deixa de ser um passo para trás de Leitch.

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Enquanto o filme avança e as sequências ficam mais espetaculosas, o CGI, mesmo que se assumindo como falso e parte da piada, acaba tomando conta do cenário e lembrando, nos piores momentos, o que os blockbusters da grande indústria têm de mais artificial e malfeito. E opondo-se ao peso que tem a construção dos planos dentro do trem, bem mais preocupados com a palpabilidade dos objetos e entornos. Chega a ser uma abstração visual distanciadora, que aliena o espectador daquilo que vê. Desde as primeiras décadas do cinema, cineastas e atores usam da imagem do trem, com sua velocidade inerente, seu aspecto de máquina imparável e avassaladora, para encenar perseguições engenhosas, fugas com os personagens andando em cima dos vagões, etc. Considerando que, desde o primeiro filme, a franquia “John Wick” tem apresentado um respeito e admiração tão grandes por Buster Keaton e afins, o trabalho de Leitch com a ação aqui parece ir na contramão do que ele vinha fazendo, no mínimo um desleixo.

Já a comédia, que se quer propositalmente boba, chega a ser irritante na insistência pela repetição de piadas que passam longe de poderem ser consideradas humor. Em especial, a que envolve a animação infantil, sobre trens, “Thomas e Seus Amigos”, completamente aleatória, que o roteiro ainda tenta subverter para realçar o drama que envolve os irmão Tangerina e Limão. Quem sofre mais com isso é Brian Tyree Henry, muito melhor quando tem liberdade de brincar com o tipão mal-humorado de seu personagem e com piadas sobre sua etnia. Por outro lado, o diretor se sai bem quando aposta no humor visual. Por exemplo, no momento em que a mascote anime se envolve nas brigas, ou na cena em que Brad Pitt luta com uma adversária surpresa, numa participação especial, e que envolve um veneno que faz as pessoas sangrarem por todos os orifícios e seu antídoto. Aliás, o clima de trupe teatral, cheia de astros que aparecem em pequenas pontas, além de reiterar a intenção de “Trem-Bala” de ser um projeto particular, de uma voz que se pretende quase autoral, ainda traz as melhores piadas. Para ficar em apenas uma e guardar outras surpresas, o humor sarcástico e o timing cômico de Channing Tatum são sempre bem-vindos.

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Enquanto o fio narrativo principal fica restrito ao trem, o filme acha seus jeitos para aumentar cada vez mais o escopo e a complexidade da narração (mais no sentido de confusão do que de domínio narrativo). Cada novo personagem tem seus flashbacks, que destacam partes importantes do passado como se fossem videoclipes. A montagem rápida, as poses em câmera lenta e as músicas para embalar os acontecimentos. Leitch aproveita a liberdade que tem para escalonar sempre mais as pontas soltas e reviravoltas. Há um certo prazer em acompanhar os enigmas sendo expostos como peças de quebra-cabeça, em como o filme usa do jogo de pistas e recompensas que vão se encaixando, as coincidências e absurdos que se desenrolam com o texto apontando, ironicamente, uma filosofia barata por trás da sorte e azar dos personagens. Porém, o efeito acumulativo é tão grande que, lá pelo final, é difícil não se desligar e não se entediar com a milésima reviravolta. A ironia se desfaz quando tudo precisa se conectar, nos mínimos detalhes, e se torna uma compulsão sem graça.

Com “Trem-Bala”, David Leitch se encaminha para um cinema que se pretende mais próprio, menos ligado a franquias, próximo de uma revisão dos filmes pop dos anos 1990. Como o dos cineastas que exercitavam seus estilos histriônicos, trazendo um festival de astros e piadas autoconscientes. Uma espécie de “Kill Bill” para os tempos de Tik Tok e déficit de atenção. Uma pena que se sabote pela autoindulgência. Às vezes, o filme soa mais como uma brincadeira entre amigos que esqueceram de convidar o público para participar.

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