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Sessão Dupla | Top Gun: Maverick e Paraíso Infernal

O Sucesso de Top Gun: Maverick

A Paramount emplacou um grande hit dos cinemas em 2022. “Top Gun: Maverick” já arrecadou quase US$900 milhões mundialmente. Discussões sobre o filme tomaram as redes sociais, políticos brasileiros usaram o longa como palanque para seus discursos ideológicos, influencers de outros ramos que não o cinema entraram na conversa para apontar, por exemplo, o caráter de propaganda militar norte-americana que o filme carrega. É inegável, porém, o sucesso do retorno de Tom Cruise como Maverick e de uma certa opinião positiva dos críticos sobre o filme, que foi aplaudido de pé no Festival de Cannes deste ano (não que isso signifique muita coisa…).

Talvez uma das explicações para esse sucesso seja o fato de “Top Gun: Maverick” representar um tipo de filme que não é mais tão comum na produção Hollywoodiana. Que remete, em alguns sentidos, ao início da era dos blockbusters modernos e, em outros, ao cinema clássico americano. A ideia deste Sessão Dupla é apontar algumas dessas características e discutir um outro filme que possui alguns paralelos com este “Top Gun”.

O Blockbuster Moderno

O termo blockbuster, ou “arrasa-quarteirões”, normalmente designa filmes que fazem muito sucesso, de ótimas arrecadações e gigantescos números de público. Também podem ser os filmes que, mesmo indo mal nas bilheterias, são considerados blockbusters por causa dos orçamentos milionários. Este conceito passa a se estabelecer a partir dos anos 1970, apesar de sucessos estrondosos de bilheterias ocorrerem desde as primeiras décadas do cinema. Neste momento da produção estadunidense, ocorria a derrocada da Nova Hollywood, um movimento moderno que “lançou” diretores como Martin Scorsese, Francis Ford Copolla, Steven Spielberg e outros. Dois filmes marcam essa nova era do cinema, que muitos teóricos apontam como o início da tendência dos blockbusters: “O Exorcista” (1973), de William Friedkin, e “Tubarão” (1975), do Spielberg.

Para além do sucesso, os teóricos também apontam uma outra semelhança entre os filmes que seguiram a tendência lançada nos anos 70: o High Concept. É uma ideia de que essas obras se baseavam em um único conceito, simples e de fácil compreensão. Algo como: “Uma criança ajuda um E.T. que caiu na Terra”, ou “Rebeldes espaciais lutam contra um Império do Mal”. Por serem ideias simples, atrairiam o público mais facilmente e teriam grande potencial comercial. Basta comparar com os filmes de super-heróis, a tendência blockbuster atual, para ficar mais claro esse conceito. Para entender completamente “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”, quantos outros filmes, séries e desenhos é preciso ter visto? Mais de uma década de outras produções.

Já, indo pelo caminho contrário ao comum atualmente (e seguindo o que seu antecessor já fazia, mas numa época em que essa era a “regra”), está “Top Gun: Maverick”. “Piloto do exército treina seus alunos para completarem uma missão”, poderia ser o conceito básico do filme. Tudo gira em torno disso, inclusive estruturalmente, com o treinamento que vai evoluindo até acompanharmos a missão em si, e acabou. Assim como no primeiro, nem os vilões são identificados, já que não importa quem são; o que importa são as cenas de ação, as acrobacias, e os dramas do protagonista que se interligam com a ação. E aí está um outro ponto que remete aos blockbusters de décadas passadas: um melodrama sincero, não-irônico, que envolve uma morte ocorrida no primeiro filme e o romance com a personagem de Jennifer Connelly.

O Cinema Clássico Americano

Lembra até a inocência romântica de um “Titanic” (1997), de James Cameron, que foi o maior blockbuster de todos por muitos anos. E, a partir deste ponto, dá para voltar ainda mais no tempo: em como esse aspecto do melodrama que aparecia em muitos desses filmes, e aparece de novo em Top Gun, remete ao romantismo da era clássica do cinema americano. Esse era um aspecto tão presente nas produções Hollywoodianas dos anos de 1920-1940 que o teórico Mark Cousins argumenta que essas eras não deveriam nem ser chamadas de clássicas, e propõe o nome de “realismo romântico fechado”, por causa da amplitude emocional desses filmes, que lembram a poesia e as pinturas românticas.

Dentre tantas obras dessa época que se poderia comentar, a carreira de um diretor específico pode iluminar “Top Gun: Maverick” de um jeito interessante. Howard Hawks é um dos maiores diretores modernos do cinema clássico, ou um dos maiores classicistas do cinema moderno. Por causa dele, e do Hitchcock, em grande medida, os críticos da Cahiers du Cinema elaboraram a ideia do cinema de autor. É claro que, em se tratando de autores, Tom Cruise parece merecer mais essa alcunha do que o diretor de “Maverick”, Joseph Kosinski. O ator tem escolhido bem com quais cineastas trabalhar, aqueles que possam servir às suas necessidades de grande astro que arrisca a vida para fazer cenas perigosas.

Cada vez mais, Cruise tem usado sua persona em prol dos filmes. Cruise é Maverick e vice-e-versa, assim como Hawks usava das personas de seus astros, Cary Grant, John Wayne, Humphrey Bogart. Atores que encarnavam sempre personagens obstinados com uma tarefa, como Maverick que “voa por necessidade de velocidade”. O diretor se interessava por construir sociedades, ou grupos sociais, com caraterísticas específicas. Que precisavam lutar contra outsiders que ameaçavam esses grupos, ou que tinham dificuldades, em um mundo que não os entendia, para seguir vivendo a vida como bem desejavam. Como o bando de caçadores na savana africana em “Hatari” (1962), no caso de Hawks, ou os pilotos de Top Gun, no caso de Cruise.

Top Gun: Maverick e Paraíso Infernal

Pensemos, então, em “Paraíso Infernal” (1939), dica de hoje e filme que sintetiza perfeitamente a obra do diretor. Numa pequena ilha sul-americana, um grupo de pilotos arrisca a vida diariamente para fazer entregas em meio à neblina, montanhas e péssimas condições de trabalho. O mundo hawksiano está posto: os heróis cuja única motivação está em suas ações e na camaradagem entre eles. O protagonista, Cary Grant, apaixona-se por uma mulher, mas não assume com medo dela atrapalhar seu trabalho. A possibilidade da morte, que pode vir a qualquer momento, já que os pilotos precisam se submeter à voos arriscados, é tratada como algo cotidiano, um dado comum na vida. As cenas de ação, filmadas de verdade com as manobras impressionantes dos aviões, são intercaladas com a relação amorosa e a desestabilização desse mundo macho pela mulher que integra o grupo, mas não compartilha essa visão de mundo com eles.

Um momento puramente hawksiano está presente em “Paraíso Infernal”: aquele em que a narrativa para e acompanhamos deliberadamente uma cantoria entre os protagonistas, que estabelece o senso de pertencimento comum e o tom dos dramas que cercam os personagens. Não deve ser coincidência que ambos os “Top Guns” possuem momentos assim. E que Maverick foge da relação com as mulheres de ambos os filmes. E que o enfrentamento da morte é essencial para as três histórias, como demonstra uma cena de “Paraíso” em que Bonnie Lee, interpretada por Jean Arthur, chora a morte de um dos pilotos e se surpreende com o jeito banal que o acontecimento é tratado pelos homens do grupo.

Mesmo em termos de encenação, que em Hawks misturava um senso mais teatral ao tratar os diálogos e o drama com as grandes sequências de ação “reais”, elemento muito moderno, lembra o que “Maverick” faz. Kosinski encena tudo com uma clareza e simplicidade que assume uma lógica muito funcional, sem deixar de ser expressiva. Ele também permite, como já comentado, que os momentos dramáticos aconteçam sem nenhum subterfúgio que distancie o espectador com medo de soar brega, ou romântico. Enquanto isso, os atores fazem suas cenas de ação e voam em caças reais. A preocupação de ambos os cineastas é de usar dos gêneros que se propõem com o objetivo de se apropriar, de forma direta, das potencialidades visuais que eles oferecem.

Muito longe de querer comparar Howards Hawks, um dos maiores gênios que o cinema já viu, com o Kosinski, ou das obras-primas do diretor com “Top Gun: Maverick”, a intenção deste Sessão Dupla é a de oferecer uma possível explicação pro consenso formado em torno do filme. “Maverick” se apresenta como uma obra de outro tempo, que se coloca na esteira dos blockbusters modernos de décadas passadas e se inspira por clássicos hollywoodianos para construir sua narrativa. Até em como tem se vendido, assumindo para si o papel de “filme de tiozão”, vai na contramão do marketing dos filmes atuais que tentam ser interessantes para todos os grupos de todas as idades. É uma questão que, inclusive, aparece como subtexto. Do personagem de Tom Cruise como um sobrevivente do passado, que quer impedir que a força militar seja substituída por drones, ou que o puro cinemão americano se torne apenas criado por algoritmos, cheios de efeitos visuais e vergonha de mergulhar no que os gêneros têm a oferecer.

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