RESENHA | Livro: “O pistoleiro” (A Torre Negra 1)

“Você deve compreender que a Torre sempre existiu, e sempre existiram rapazes que sabiam de sua existência e ansiavam por ela, mais do que pelo poder, riquezas e mulheres… rapazes que procuravam as portas que levavam a ela…”
Stephen King é conhecido como um importante autor de histórias de terror um tanto bizarras, mas estranhamente fascinantes. Também é um dos autores com o maior número de adaptações para o cinema e televisão, que é melhor nem começar a citar aqui, pois corremos o risco de nunca estarmos atualizados.
 
 
A Torre Negra é uma série composta por sete livros: “O Pistoleiro”, “A escolha dos três”, “As terras devastadas”, “Mago e vidro”, “Lobos de Calla”, “A canção de Susannah” e “A torre negra”. Recentemente, Stephen King lançou também “O vento pela fechadura”, um livro no mesmo universo, que se passa entre o quarto e o quinto livro, e não é, portanto, uma continuação, tampouco parte essencial da história principal.
O primeiro volume é o menor da série e funciona como um grande prólogo. Sua função é apresentar o universo em que a história se passa, o personagem principal e para onde ele está indo. Pode ser pura e simples interpretação, exagero meu mesmo, mas não me lembro de ter lido uma primeira frase que dissesse tanto sobre a história. Ela não apenas “começa” a história, ela resume e apresenta a principal característica do personagem principal – sua determinação cega e pragmática:
“O homem de preto fugia pelo deserto e o pistoleiro ia atrás”.
Na frase temos dois personagens muito parecidos e ao mesmo tempo opostos. O protagonista, o pistoleiro, Roland Deschain, e o homem de preto, um homem “sem face”, também conhecido como “Walter das sombras”. A princípio não há uma explicação muito detalhada de porquê Roland quer tanto alcançar esse homem, mas logo nos primeiros capítulos, quando Roland para em uma cidadezinha no meio do deserto, você logo descobre o quanto esse homem é perigoso e que é melhor que seja encontrado logo.
Roland é um homem amaldiçoado, que tem essa maldição reforçada em todo lugar aonde vai. Sua vida é um amontoado de desgraça que começa quando ainda era muito jovem e o persegue indefinidamente. Por esse e outros motivos, Roland é um homem duro e obcecado, jurado pelos sentimentos de traição e vingança, a perseguir seu objetivo: encontrar a Torre Negra. Esse é o seu Ka, seu destino.
 
Símbolo do Ka
 
Ele é o último de uma linhagem nobre de sua terra natal, Gilead, e o último pistoleiro. Os pistoleiros são homens treinados na arte das armas, que têm um rígido código de conduta, representado pelo lema: “jamais esqueça o rosto de seu pai”.
“- Fale a Língua Superior – ele [Cort] disse em voz baixa. Um tom plano, ainda que com ligeira, embriagada aspereza. – Diga seu Ato de Contrição na língua da civilização pela qual homens melhores que você tantas vezes morreram, seu verme.
Cuthbert estava se levantando de novo. Lágrimas pairavam brilhantes em seus olhos, mas os lábios estavam comprimidos numa forte marca de ódio que não tremia.
– Lamento – disse Cuthbert num tom ofegante de autocontrole. – Esqueci o rosto de meu pai, cujos revolveres espero um dia carregar.”
O mais interessante, no entanto, não são os personagens, mas o ambiente em que eles estão inseridos. Este é um “mundo que seguiu a diante”, um conceito tão amplo quanto o tempo que ele possivelmente engloba. Tudo ao redor está deteriorado, inclusive a condição humana, que segue inconsciente, individualista e degradada, enquanto ainda canta os hinos de uma Igreja que conhecemos muito bem. Aliás, nasce daí uma das cenas mais grotescas do livro, uma matança generalizada que sei que muita gente vai gostar.
À primeira vista, parece um cenário comum de faroeste, até que o pistoleiro se depara com sinais de uma tecnologia até mais avançada que a de nosso tempo. Isso não é surpresa para ele, claro, mas é causa de estranhamento para o leitor. Isso é o que vai te impulsionar na leitura, mesmo quando as coisas não estiverem assim tão favoráveis.
A leitura é lenta, arrastada, assim como a travessia de Roland no deserto sem fim. É lá no final do livro que a história volta a se agitar, já na presença de Jake, um garoto de doze anos, que Roland encontra no meio do nada. É através do garoto que Roland toma conhecimento de um mundo completamente diferente do seu, ou de um tempo diferente do seu, antes de “o mundo ter seguido à diante”. E é o garoto que parece entender esse mundo melhor que o próprio Roland…
 
 
Sim, o livro foi adaptado para o cinema em 2017. Não, eu não assisti. E sim, o filme foi um fracasso de bilheteria. Mas não se deixe levar por esse pequeno tropeço. Essa é uma história do King que é muito difícil de adaptar e precisa de muitos recursos financeiros e da confiança do estúdio para ser feita. E tempo, muito tempo. E o que essa produção não teve foi exatamente isso, dinheiro, tempo, confiança. Aos fãs, resta a esperança de ter algum dia uma adaptação digna da obra.
 
Enquanto isso, você pode procurar a adaptação para outra mídia, as HQs, cuja qualidade é tão boa quanto a versão original.
 “ – Vá, então. Há outros mundos além deste.”