RESENHA | Filme: Coringa

Um dos vilões mais conhecidos e complexos da história dos filmes e quadrinhos finalmente ganha um filme solo e, para a nossa alegria, o filme consegue ser tão profundo e inteligente como o personagem pede. Aqui, iremos mergulhar na psique de Arthur Fleck e entender, pouco em pouco, o que é necessário para quebrar uma pessoa por dentro e transformá-lá em um mártir.

Nome Original: Joker
Direção: Todd Phillips
Roteirista: Todd Phillips, Scott Silver
Cinematografia: Lawrence Sher
Edição: Jeff Groth

  • Sinopse: O comediante falido Arthur Fleck encontra violentos bandidos pelas ruas de Gotham City. Desconsiderado pela sociedade, Fleck começa a ficar louco e se transforma no criminoso conhecido como Coringa.

O filme é um ‘estudo de personagem’ excelente! É um desenvolvimento e a construção de uma pessoa que vai quebrar mentalmente, que está se segurando para se manter, seja com apegos familiares, trabalho, sutilezas da vida. Mas, quanto mais ele tenta, mais a vida bate de volta e mais forte. A história constrói muito bem a vida de Arthur. Nos permite entender, bem claramente, os seus apreços, necessidades e – o mais importante – vai construindo, aos poucos, o problema mental do personagem, colocando ele em situações em que isso passa a influenciar e criar consequências que geram diversas situações inusitadas e de aborrecimento. Em certas partes do filme, Arthur conversa consigo e usa uma arma com certa leveza e simplicidade – que lembra muito o que acontece em Taxi Driver o personagem se sente e se descobre aos poucos.

Em boa parte é um filme sobre a tentativa de se manter estável mentalmente. O personagem vai se forçando e se entristecendo, se frustrando, bem como a vida batendo, batendo, até uma hora que o cara quebra. Vemos ele tendo duplas expressões, estando triste e ferrado, porém forçando uma cara sorridente, como se fosse uma “maquiagem”. – Até a metáfora da escada, quando ele está subindo e tentando manter a sanidade, todo cabisbaixo e depois quando ele a desce, já insano e confiante, contente.

O que consegue fazer com que esse filme seja tão macabro e assustador? Primeiramente, o fato dele ser extremamente real. Ao ver filmes como “Batman – O Cavaleiro das Trevas” – por mais incrível que o filme seja – você não acredita que, na vida real, aqueles acontecimentos sejam possíveis. Porém, em “Coringa”, tudo é mais do que possível e real: só o que é preciso é uma pessoa com um revólver que ganhe outras com um bom discurso. O discurso do personagem não é somente muito forte, como também muito verossímil. Você consegue correlacionar com coisas que acontecem no dia-a-dia, notícias e momentos ordinários, por isso consegue ser bizarro e assustador com certos pontos de vista. É muito real e por isso gera um mal estar. A violência não é romantizada ou dramatizada, ela é seca e bruta, você sente o impacto de cada tiro, cada batida, e a construção de algumas cenas deixa o ambiente completamente tenso e instável. – É genial!

O trabalho de Joaquim Phoenix, aqui, é gigantesco e merece muito reconhecimento, não somente por ele convencer em cada cena, como também pelas várias camadas que o seu personagem apresenta durante o filme – e quão sútil são algumas mudanças. – Em grande parte do filme, ele tenta ser educado e complacente com várias situações erradas que surgem contra ele. Com uma aparência fraca, e sem apresentar muita resistência, com o passar da história, de acordo com as experiências que o personagem vai testemunhando, ele vai mudando, seja na postura, seja na voz, no olhar… até ele, finalmente, se transformar no Coringa.

Você, além de ver o ódio estampado em seus olhos, também sente, em muitos momentos, a tristeza ou o vazio. Phoenix consegue falar muito, dizendo pouco. Sua simplicidade e gigantismo em se expressar com pouco, faz dele um dos melhores atores que temos hoje em dia. Sem entrar em spoilers, mas algo que ele faz e merece destaque, é a atuação apresentando dois sentimentos opostos ao mesmo tempo, misturando sentimento e reaçãoque são paradoxais – e ele o faz em alguns momentos do filme como um mestre.

O elenco de apoio é bom mas, como eu disse, é somente de apoio. O foco todo está em Phoenix. O que é uma pena, porque na maioria do filme, ele não tem alguém para contracenar em um alto nível, trazendo alguma discussão forte… até chegar em Robert De Niro, porque aí eles têm um diálogo sensacional, com um show de ambos os lados.

Durante a narrativa do filme, é criado algumas situações que são muito bizarras. Situações que te levam a pensar que algo está acontecendo de uma maneira, porém, ela decorreu diferente. Isso acontece mais de uma vez e algumas são detalhes que podem deixar pessoas confusas ou irritadas. Porém, no decorrer da história, o filme deixa bem claro que as coisas não foram bem como parecem, seja por paranoia, doença ou o que seja – o que é muito bom – entretanto, acredito que poderia ter sido feita de uma maneira menos expositiva, sem que fosse tão claro e na cara como foi. Poderiam ter feito a audiência ter pensado um pouco mais, ter ficado mais na dúvida por alguns momentos, ao invés de expôr tudo com tamanha clareza.

Entende-se que a história faz uma crítica ao Estado que não ajuda pessoas como Arthur, pessoas com necessidades especiais, necessidades mentais que necessitam de ajuda e atendimentos, remédios, enfim, de alguma atenção diferente e que não recebe valor algum por parte do governo para se ajustar e se manter, bem como a falta de sensibilidade de civis perante o diferente, o incomum, o estranho. Além disso, também há uma crítica para nós mesmos. Para pessoas que caem na lábia de outras com certa facilidade: o fato de seguir outras cegamente, acaba sendo uma crítica à própria sociedade.

O 3º ato consagra – de vez – o filme como um jovem clássico, tendo, finalmente, a “morte” de Arthur e o nascimento do Coringa – feita de maneira inteligente e grandiosa. Nessas últimas sequências, temos cada construção de cena feita de maneiras maravilhosas, criando tensão e “brincadeiras” com outros personagens que deixa a audiência na ponta da poltrona. Um discurso terrível, porém, sedutor e, para alguns, muito real dentro do filme. Aações feitas com uma simplicidade chocante! E, finalmente, o desfecho! – Que vou me limitar em dizer que é incrível e icônico, para evitar qualquer mínimo spoiler.

A trilha sonora é fantástica! Em vários momentos, um som desconfigurado acompanha o personagem. Algo como um vinil mal encaixado, um som arranhado, que é um reflexo da personalidade de Arthur. Em outros momentos, temos uma música alto astral representando quando ele, finalmente, se encara como o Coringa, refletindo a alegria do personagem.

A fotografia tem vários pontos que são de aplaudir. Iluminações saturadas usadas para enaltecer o personagem são usadas muito inteligentemente, indicando que finalmente o personagem se ascendeu. Porém, ao mesmo tempo, é algo macabro, nublado, que ele transformou em algo maior, não necessariamente pertencente à luz. O filme utiliza de imagens diretas de TV para o filme, assim como em O Rei da Comédia. – o que é muito legal de se ver hoje em dia – Aquela imagem com um certo ruído que, também, de certa forma, é um reflexo do nosso protagonista. A palheta de cores é escolhida a dedo. Nos momentos em que se estão apresentando os sentimentos, uma palheta com o ‘ar’ necessário é exibida, em outros, cores do personagem em segundo plano são apresentados. – Tudo muito bonito e simbólico.

Temos, com toda a certeza, um dos melhores filmes do ano. Coringa é um filme muito bem feito, com um discurso pesado, que consegue ser extremamente real e até macabro. O desenvolvimento do personagem, feito aqui, é como poucos. Cada ação impacta o personagem, até que ele seja capaz de dizer e convencer multidões para algo maior do que ele. O filme acaba com o Coringa não sendo somente um personagem e sim uma ideia: um mártir para o universo do filme.

~ Vinícius Abreu.


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