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Órfã 2: A Origem | Confira nossa crítica

“A Órfã” (2009) é apenas o terceiro filme de Jaume Collet-Serra, diretor espanhol que foi se notabilizando, através de seus thrillers, por causa do pragmatismo na direção aliado à habilidade de conceber imagens significativas e esteticamente inventivas. De certa forma, um ótimo trabalhador hollywoodiano, mais preocupado em fazer as engrenagens (da indústria, dos gêneros cinematográficos, dos próprios filmes) girarem, em estabelecer um domínio técnico expressivo, do que de se autodenominar e perseguir a suposta elevação de grande autor. A primeira aparição da órfã Esther nos cinemas é um bom exemplo: um filme que brilha pela simplicidade da trama e dos estímulos básicos do suspense; do desespero da personagem de Vera Farmiga ao medo e estranhamento de ver a inocência de uma criança se transformando em sexualidade e sadismo. Esse pragmatismo, que por outro lado pode até ser visto como uma atitude mais clássica, de “apagamento” do olhar do diretor, que não comenta ou não se impõe sobre o texto com que trabalha, mas serve a ele, parece até meio perdido quando se pensa na conjuntura do cinema de terror nos últimos anos, onde dá para perceber (pelo menos) duas tendências. A primeira, que tem como representantes mais reconhecidos os diretores que fizeram nome na produtora A24, é a do horror que se julga elevado, dos grandes temas e formas elegantes, que fazem filmes de terror se esforçando para que eles não pareçam filmes de terror. A segunda, cria do pós-modernismo e do sucesso de “Pânico” (1996), é a do horror autoconsciente, que usa das convenções do gênero de forma irônica, que muitas vezes debocha de si mesmo para se pintar como novidade. Pode ser produtivo pensar nestas duas principais tendências para perceber que, assim como o primeiro, “Órfã 2: A Origem” é uma obra dissonante neste panorama, para o bem e para o mal. Dirigido por William Brent Bell, o filme carrega o mesmo desprendimento em relação a uma suposta autoimportância, sendo muito direto na abordagem de um filme de suspense descompromissado e fiel ao jogo de enganações e inversões que propõe. Na realidade, que acredita e leva a sério, sem subterfúgios esnobes, todos os absurdos que acontecem na trama. Portanto, sem ironias metalinguísticas, ainda que saiba exatamente o papel que tem como continuação, ou prequel, e que baseie todo seu esforço em se distanciar dessa sina e torcer os caminhos esperados. “Órfã 2” mostra o passado de Leena Klammer - a mulher de trinta e poucos anos que, por causa de uma doença, ainda parece uma criança - desde a fuga do hospital psiquiátrico em que estava internada até a vida na casa de uma nova família, onde se passa por Esther, a filha desaparecida do casal. Como um novo capítulo de uma história iniciada anteriormente, o filme se constrói nesse objetivo de distanciamento do original, inclusive em sua estrutura, em que tudo orbita em torno de uma reviravolta que acontece em sua metade. Nos primeiros cinquenta minutos, Bell refaz um caminho parecido com o do primeiro filme: a família desestruturada por uma tragédia, a relação de Esther com o pai, o aparente ciúme do irmão. Para, então, criar um embate entre a “menina” e adversários tão problemáticos quanto ela. Brent Bell não é nenhum Collet-Serra, porém, e o diretor não consegue nem construir o suspense da presença maléfica de Esther e a tentativa de imitar a filha desaparecida, nem de dar uma vida e um olhar próprio para a segunda metade, até porque tem menos tempo para reorganizar as peças e desenvolver as situações de embate entre os iguais. Se o que funcionou bem no primeiro era a habilidade ao trabalhar com os elementos do gênero - a tensão das sequências que demonstravam a maldade de Esther, as eventuais irrupções de violência mais explícita – nesta sequência Bell não tem nenhum tato na condução do suspense. Por mais que ele tente, formalmente, impor um clima específico, com luzes difusas e imagens mais “leitosas”, é difícil encontrar qualquer momento marcante no filme. Pelo contrário, o genérico plano-sequência da fuga do hospício, por exemplo, é a representação de um lugar-comum no cinema contemporâneo da firula técnica sem sentido, de diretores que parecem não ter ideia de como construir seus planos, enquadramentos e a encenação dentro do quadro. O que estava sendo desenvolvido na primeira metade é abandonado e, portanto, os relacionamentos são alterados. E quem acaba sofrendo mais com isso é Rossif Sutherland, o patriarca da família, que some da trama até os momentos finais. Enquanto isso, o filme corre para estabelecer o novo conflito, sem que haja tempo dos novos adversários se demonstrarem como verdadeiros antagonistas. E Isabelle Fuhrman, a órfã, deixa de ser uma presença misteriosa para se tornar uma espécie de anti-heroína protagonista, preparando terreno para possíveis continuações. O filme fica preso nessas contradições: renegar o primeiro enquanto precisa tecer ligações e se colocar como capítulo de uma possível franquia; ser ao mesmo tempo um suspense mais tradicional e basear toda sua estrutura numa reviravolta que distorce essa intenção inicial. Ou seja, parece com dois filmes em um, sem que nenhum deles tenha a possibilidade de se desenvolver plenamente. Ainda que “Órfã 2: A Origem” realmente seja um objeto estranho no panorama do cinema de gênero atual, ele o é menos por seus méritos do que por ser um amontoado meio grotesco de intenções contrastantes e sem encontrar em William Brent Bell uma condução que use dessa estranheza em seu favor. Se tem uma coisa que o diretor não aprendeu com seu antecessor é que mais vale o básico bem-feito do que um filme meia-boca que tenta de tudo pra ser diferentão.
Ficha Técnica
Título: Orphan: First Kill
Ano de Produção: 2022
Dirigido Por: William Brent Bell
Estreia: 15 de setembro de 2022
Duração: 1h39min
Classificação: 16 anos
Gênero: Terror, Suspense
País de Origem: EUA
Sinopse: Orphan: First Kill é um filme americano de terror psicológico, dirigido por William Brent Bell e com roteiro de David Coggeshall. É uma prequela do filme Orphan, de 2009. David Leslie Johnson-McGoldrick serve como produtor executivo.

 

 

“A Órfã” (2009) é apenas o terceiro filme de Jaume Collet-Serra, diretor espanhol que foi se notabilizando, através de seus thrillers, por causa do pragmatismo na direção aliado à habilidade de conceber imagens significativas e esteticamente inventivas. De certa forma, um ótimo trabalhador hollywoodiano, mais preocupado em fazer as engrenagens (da indústria, dos gêneros cinematográficos, dos próprios filmes) girarem, em estabelecer um domínio técnico expressivo, do que de se autodenominar e perseguir a suposta elevação de grande autor. A primeira aparição da órfã Esther nos cinemas é um bom exemplo: um filme que brilha pela simplicidade da trama e dos estímulos básicos do suspense; do desespero da personagem de Vera Farmiga ao medo e estranhamento de ver a inocência de uma criança se transformando em sexualidade e sadismo.

Esse pragmatismo, que por outro lado pode até ser visto como uma atitude mais clássica, de “apagamento” do olhar do diretor, que não comenta ou não se impõe sobre o texto com que trabalha, mas serve a ele, parece até meio perdido quando se pensa na conjuntura do cinema de terror nos últimos anos, onde dá para perceber (pelo menos) duas tendências. A primeira, que tem como representantes mais reconhecidos os diretores que fizeram nome na produtora A24, é a do horror que se julga elevado, dos grandes temas e formas elegantes, que fazem filmes de terror se esforçando para que eles não pareçam filmes de terror. A segunda, cria do pós-modernismo e do sucesso de “Pânico” (1996), é a do horror autoconsciente, que usa das convenções do gênero de forma irônica, que muitas vezes debocha de si mesmo para se pintar como novidade.

Pode ser produtivo pensar nestas duas principais tendências para perceber que, assim como o primeiro, “Órfã 2: A Origem” é uma obra dissonante neste panorama, para o bem e para o mal. Dirigido por William Brent Bell, o filme carrega o mesmo desprendimento em relação a uma suposta autoimportância, sendo muito direto na abordagem de um filme de suspense descompromissado e fiel ao jogo de enganações e inversões que propõe. Na realidade, que acredita e leva a sério, sem subterfúgios esnobes, todos os absurdos que acontecem na trama. Portanto, sem ironias metalinguísticas, ainda que saiba exatamente o papel que tem como continuação, ou prequel, e que baseie todo seu esforço em se distanciar dessa sina e torcer os caminhos esperados.

“Órfã 2” mostra o passado de Leena Klammer – a mulher de trinta e poucos anos que, por causa de uma doença, ainda parece uma criança – desde a fuga do hospital psiquiátrico em que estava internada até a vida na casa de uma nova família, onde se passa por Esther, a filha desaparecida do casal. Como um novo capítulo de uma história iniciada anteriormente, o filme se constrói nesse objetivo de distanciamento do original, inclusive em sua estrutura, em que tudo orbita em torno de uma reviravolta que acontece em sua metade. Nos primeiros cinquenta minutos, Bell refaz um caminho parecido com o do primeiro filme: a família desestruturada por uma tragédia, a relação de Esther com o pai, o aparente ciúme do irmão. Para, então, criar um embate entre a “menina” e adversários tão problemáticos quanto ela. Brent Bell não é nenhum Collet-Serra, porém, e o diretor não consegue nem construir o suspense da presença maléfica de Esther e a tentativa de imitar a filha desaparecida, nem de dar uma vida e um olhar próprio para a segunda metade, até porque tem menos tempo para reorganizar as peças e desenvolver as situações de embate entre os iguais.

Se o que funcionou bem no primeiro era a habilidade ao trabalhar com os elementos do gênero – a tensão das sequências que demonstravam a maldade de Esther, as eventuais irrupções de violência mais explícita – nesta sequência Bell não tem nenhum tato na condução do suspense. Por mais que ele tente, formalmente, impor um clima específico, com luzes difusas e imagens mais “leitosas”, é difícil encontrar qualquer momento marcante no filme. Pelo contrário, o genérico plano-sequência da fuga do hospício, por exemplo, é a representação de um lugar-comum no cinema contemporâneo da firula técnica sem sentido, de diretores que parecem não ter ideia de como construir seus planos, enquadramentos e a encenação dentro do quadro.

O que estava sendo desenvolvido na primeira metade é abandonado e, portanto, os relacionamentos são alterados. E quem acaba sofrendo mais com isso é Rossif Sutherland, o patriarca da família, que some da trama até os momentos finais. Enquanto isso, o filme corre para estabelecer o novo conflito, sem que haja tempo dos novos adversários se demonstrarem como verdadeiros antagonistas. E Isabelle Fuhrman, a órfã, deixa de ser uma presença misteriosa para se tornar uma espécie de anti-heroína protagonista, preparando terreno para possíveis continuações. O filme fica preso nessas contradições: renegar o primeiro enquanto precisa tecer ligações e se colocar como capítulo de uma possível franquia; ser ao mesmo tempo um suspense mais tradicional e basear toda sua estrutura numa reviravolta que distorce essa intenção inicial. Ou seja, parece com dois filmes em um, sem que nenhum deles tenha a possibilidade de se desenvolver plenamente.

Ainda que “Órfã 2: A Origem” realmente seja um objeto estranho no panorama do cinema de gênero atual, ele o é menos por seus méritos do que por ser um amontoado meio grotesco de intenções contrastantes e sem encontrar em William Brent Bell uma condução que use dessa estranheza em seu favor. Se tem uma coisa que o diretor não aprendeu com seu antecessor é que mais vale o básico bem-feito do que um filme meia-boca que tenta de tudo pra ser diferentão.

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