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Ne Zha 2 | Confira nossa crítica

A atual animação de maior bilheteria chega ao Brasil com força e qualidade! Ne Zha 2 (ou Ne Zha: The Demon Boy Havoc in the Sea) é a esperada continuação do sucesso de 2019, que reimaginou a lenda chinesa de Ne Zha num mix de ação épica, mitologia e fantasia. São grandes as expectativas — e os números demonstram isso: produção massiva, investimento recorde, bilheterias monumentais.

Ficha Técnica
Título: Ne Zha 2
Ano de Produção: 2025
Dirigido Por: Yu Yang
Estreia: 25/09/2025
Duração: 2h24m
Classificação: Livre
Gênero: Animação, Fantasia
País de Origem: China
Sinopse: Nascido de pais mortais, um jovem semideus rebelde usa seus imensos poderes para lutar contra uma força ancestral que pretende destruir a humanidade, enquanto divide seu corpo com a alma de seu amigo e ex-rival.

 

A Aventura Continua

A pergunta que se impõe, para além do espetáculo: será que essa sequência vai além de repetir a fórmula vencedora, entregando densidade narrativa, evolução de personagem, coerência emocional e importância cultural?

Enredo & Ritmo

A trama retoma os acontecimentos do primeiro filme: Ne Zha e Ao Bing, após o cataclismo que marcou o fim de Ne Zha (2019), enfrentam a ameaça de sua dissipação espiritual. A salvação parece vir com o elixir/método “Sete-Lotus de Cores” (“Seven-colored Precious Lotus”), que permite reconstruir seus corpos mortais.

Essa promessa de restauração serve como ponto de partida para uma série de conflitos maiores: uma conspiração entre os dragões marinhos (Dragons Kings / Dragon Kings & Queen) e a aparentemente benevolente seita dos imortais de Yu Xu Palace, simbolizada pela figura de Wuliang.

No entanto, embora o filme comece com força e encanto, o ritmo se torna por vezes desigual. A primeira hora prepara muito — introduções, dilemas, ambientação — e as promessas de grandiosidade. É na segunda metade que o filme decola de verdade: as batalhas trazem escala, os dilemas interiores se intensificam, e o peso emocional aparece com mais densidade. Para quem esperava ação imediata, pode parecer que a espera é longa; para quem gosta de construção de mundo, muitos desses momentos compensam.

Quem São?

Ne Zha: continua sendo um protagonista conflituoso — criança/demônio/deus, impulsivo, cheio de energia, mas também com culpa e anseios. O que funciona é que Ne Zha 2 aprofunda ainda mais a sua culpa por Ao Bing, sua incapacidade de simplesmente “ser herói”, o medo de perder quem ama, e a tensão entre ser aceito por outros (humanos, deuses) vs aceitar-se.

Ao Bing: seu papel como contraponto, amigo-/irmão espiritual, espelho de Ne Zha, é interessante. Há momentos em que ele se torna menos função de enredo e mais presença emocional — o que o torna essencial para que o filme não seja só espetáculo visual.

Wuliang e os Imortais: sua dualidade (aparente benevolência vs motivações obscuras) é o tipo de antagonismo que, bem explorado, eleva a narrativa. Mas nem sempre o roteiro consegue dar tempo suficiente para digressões filosóficas ou explicações que liguem o mítico ao moral de forma completamente satisfatória.

Personagens secundários: há muitos, até demais — famílias, dragões, deuses, criaturas míticas. Alguns brilham, outros ficam à sombra. Por exemplo, a mãe de Ne Zha (Lady Yin) possui momentos fortes, de sacrifício, amor, tensão. Mas outros personagens coadjuvantes soam mais como peças de monumentos visuais ou de batalhas épicas do que de arcos emocionais próprios.

Os temas que mais se destacam:

A identidade: “quem sou eu” quando se é parte humano, parte divino, parte monstruoso, parte herói.

Amizade / irmandade e culpa: Ne Zha & Ao Bing; o peso de salvar ou “não salvar”.

Poder vs responsabilidade: como se lida com forças que se tem, mas que muitas vezes se entende pouco.

Conflito entre ordem divina (ou imortalidade) e o caos/tradição/popular — não raro o filme joga com ideais mitológicos de poder e justiça, mas também com corrupção, traição e moral ambígua.

Visual, Animação, Som

Aqui é que Ne Zha 2 mais impressiona — é um dos pontos altos do filme:

A escala da produção é gigantesca: mais 4.000 profissionais, 138 estúdios de animação envolvidos. Número de tomadas muito maior que no primeiro filme, e uso intensivo de efeitos especiais; algo como 80% das cenas envolvem efeitos complexos. Podemos destacar também as cenas emblemáticas — batalhas com dragões, sequências subaquáticas ou “das águas”, tempestades, combates com energia sobrenatural, destruição ambiental mítica — tudo isso com altíssima fluidez, uso de partículas, dinâmica de fluidos, texturas detalhadas. Vemos aqui um visual estético que mistura influência da pintura chinesa, estética oriental, ornamentos míticos, design de criaturas que sai do lugar-comum. Os dragões, por exemplo, têm escamas que não são só decorativas, mas refletem luz, movimento, até elasticidade biológica. Trilha sonora com apoio orquestral, momentos de quietude, contrastes fortes entre o lírico e o grandioso. O som ambiente funciona bem para criar tensão, maravilha ou terror quando necessário.

Acertos e Limitações

Acertos:

Espetáculo audiovisual: Ne Zha 2 cumpre perfeitamente como cinema-visual. É daqueles filmes que se justificam de ser vistos na tela grande, com som potente. O olho é encantado, tanto em termos de escala quanto em detalhes.

Elevação emocional: nos momentos certos, o filme consegue uma empatia que vai além do mero espetáculo — perdas, culpa, sacrifício, arrependimento, desejo de redenção são tratados com peso.

Mitologia usada com criatividade: não é só “usar dragão” ou “usar deuses”, mas costurar traços do folclore, lendas, cultura chinesa de forma que pareça orgânico, não apenas ornamentação.

Escopo ambicioso: narrativamente, visualmente, como indústria cinematográfica, o filme demonstra que a animação chinesa pode disputar com blockbusters internacionais — tanto em qualidade técnica quanto em apelo de público. Os recordes de bilheteria não são surpresa depois de ver o que oferecem.

Limitações:

Sobrecarga de personagens / cenários: com tantos núcleos, tantos dragões, deuses, batalhas, o filme por vezes se perde em fragmentações; alguns personagens mereciam mais desenvolvimento, outras motivações ficam pouco exploradas ou pouco consistentes.

Ritmo irregular: como mencionado, a primeira metade pode parecer lenta ou demasiadamente expositiva, enquanto a segunda exagera nas cenas de batalha e grandiosidade, o que para alguns espectadores gera sensação de “mais do mesmo” de efeitos épicos em sequência.

Complexidade narrativa pode confundir quem não está familiarizado com a mitologia: símbolos, nomes, hierarquias – às vezes sem muita introdução — exigem certo esforço ou culturalidade prévia do público.

Incoerências ou lapsos emocionais: em certos momentos, a transição entre diálogo íntimo / sentimento profundo e explosão de ação parece abrupta; o filme busca equilibrar humor, drama, ação, mitologia, mas nem sempre conseguindo suavizar essas mudanças sem quebrar o mergulho emocional.

Impacto Cultural e Significado

Não dá para ignorar que Ne Zha 2 é muito mais do que um filme de entretenimento: ele atua como um símbolo de maturidade da animação chinesa, de ambição cinematográfica local, de valorização de mitos e identidades culturais num mercado global. Ele também oferece para públicos fora da China a chance de conhecer facetas da mitologia investida com estética moderna, sem necessariamente diluir o seu caráter tradicional.

Também é um filme-ponte: entre quem viu o primeiro e já sabe do que se trata, e quem chega “virgem” — ele oferece contexto, mas cobra um pouco de capacidade de conectar pontos culturais, algo que pode custar para algumas plateias.

Veredito

Ne Zha 2 é um triunfo visual, um espetáculo mitológico ambicioso e emocionalmente impactante, mesmo que com falhas de ritmo e de excesso. Para fãs de fantasia, de lendas, de animações grandiosas, é um filme obrigatório. Para quem prefere narrativas enxutas, ou não está acostumado com muitos nomes, muitos deuses, muitos plot points, pode exigir paciência.

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