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ENTREVISTA | Wendel Bezerra

Olá, leitores do Teoria Geek! Estamos aqui hoje com um dos maiores dubladores do Brasil de todos os tempos! Querido por muitos, admirado por tantos, o grande Wendel Bezerra! Seja bem-vindo ao Teoria Geek, Wendel! Como fã e colecionador incondicional da franquia Dragon Ball, você não imagina A HONRA que tenho em entrevistá-lo! A sensação é de estar falando com o próprio Akira Toriyama, dadas as devidas limitações continentais (risos).

Teoria Geek (TG): Você vem de uma família de dubladores? Sei que você é irmão da Úrsula, que dublou o Goku criança e o Naruto, e do Ulisses, que dublou o Shun de Andrômeda em Cavaleiros do Zodíaco. Você antes pretendia seguir a carreira do Direito? Em que momento você mudou de ideia e decidiu seguir a carreira de dublagem?


Wendel Bezerra (WB): Na verdade eu nunca pretendi seguir a carreira de Direito, né? O fato é que eu sempre fui ator, sempre trabalhei como ator, mas você, num determinado momento, especialmente naquela época, fica com medo de se é possível sobreviver atuando, trabalhando como ator, muitas vezes os atores ganham mal. Às vezes a gente acha que “Ah, o cara tá na Globo!”, mas são só os tops que ganham bem, a maioria está ali na esperança de um dia ganhar bem ou de conseguir outros trabalhos que sirvam para complementar renda, porque tá em exposição na TV Globo, mas nem sempre eles ganham bem. Eu fiz Direito porque eu tinha um irmão que era advogado – um dos mais velhos era advogado – e aí eu eu pensei “eu vou continuar trabalhando como ator, mas vou fazer curso de Direito, porque se o calo apertar, eu bato na porta dele e peço ajuda”, foi isso. Terminei o curso, mas na metade do curso eu já havia decidido que eu ia largar todas as coisas que eu fazia como ator e ia focar exclusivamente em dublagem e locução, que são coisas que eu gosto bastante de fazer. E a partir do momento que eu fiz essa escolha, uma escolha feita com o coração, as coisas começaram a dar certo, começaram a funcionar, e aqui estou eu, falando com vocês.


TG: Dentre os personagens que você já dublou, quais os que você mais se divertiu dublando e quais aqueles pelos quais você desenvolveu mais afeto?


WB: Para ser bem sincero, quase todos os personagens eu me divirto quando estou dublando, e divertir não é simplesmente rir, eu tenho prazer em fazer… em me emocionar, em gritar, em chorar, em ser vilão… eu me divirto realizando esse trabalho. Não é um divirto do tipo “ah, é uma grande alegria!”, que nem as pessoas às vezes pensam, é um trabalho! Então, é difícil, é cansativo, às vezes é chato, nem sempre você está num bom dia, mas o fato é que é uma coisa que eu gosto de fazer, é um desafio que me agrada, como ator e como pessoa. Dublando o Bob Esponja, por exemplo, eu dou risada até hoje, toda vez que eu vou dublar um episódio, e sim, tem episódios novos, todo mês, praticamente, eu dublo algum episódio, eu dou risada, eu me divirto. E o personagem pelo qual eu tenho mais carinho, sem dúvida nenhuma, é o Goku, por tudo que ele representa, por tudo que ele me proporciona e ele mudou minha vida em vários aspectos, profissionais, pessoais, então eu tenho um carinho e uma gratidão enorme pelo Goku.


TG: Como você foi escolhido para dublar o Goku? Você quem se ofereceu, fez um teste ou foi indicação de alguém, como ocorreu?


WB: O Goku foi um teste de dublagem. Séries, normalmente, o cliente pede teste para os personagens principais e eu fiz o teste, junto com alguns outros dubladores. Na época foi a pedido da TV Bandeirantes, que era quem ia transmitir a série, o Dragon Ball Z, e graças a Deus eu fui o escolhido, fui o aprovado. Foi a voz que eles entenderam que se encaixava melhor no personagem e eu fiquei muito, muito feliz, não sabia o que o Goku representava, né? Então, na verdade, eu fiquei contente por ter sido escolhido, por passar num teste, por ser uma nova oportunidade de trabalho, mas hoje eu sei que foi um momento de grande felicidade na minha vida.


TG: Qual personagem você gostaria de dublar um dia ou ter dublado originalmente?


WB: Eu obviamente gostaria de ter dublado muita coisa, os atores que eu dublo com razoável constância eu sempre me lamento um pouquinho quando não sou eu que dublei algum ou outro filme. Então eu tenho essa vontade de, sei lá, por exemplo o Edward Norton, o Kevin Hart, o Jonah Hill, Ryan Gosling, eu gostaria de ter dublado TUDO deles. Mas para não ficar uma resposta genérica, eu espero que eu possa dublar o Batman, que eu seja considerado para isso, afinal eu dublei muitos filmes já do Robert Pattinson, então seria um prazer em dublar ele de novo e uma satisfação muito pessoal de dublar um personagem como o Batman. E também adoraria um dia, na minha vida, dublar o Homem-Aranha. O duro é que nos filmes ele está cada vez mais jovem e eu estou cada vez mais velho. Então, vou ter que dublar, sei lá, um Homem-Aranha aí no multiverso (risos).


TG: O mangá de Dragon Ball já foi publicado no Brasil do início ao fim por duas editoras, em dois momentos distintos, você tem o hábito de ler/colecionar os mangás de Dragon Ball ou outras séries?


WB: Quanto ao mangá, não. Eu nunca colecionei, eu nunca li, na verdade, a minha vida sempre foi bem cheia, assim, desde criança, adolescência. Estudando, gravando novela, fazendo teatro, gravando novela de rádio, fazendo locução, dublando e tal. E tinha as lições de casa, obviamente. Tinha os momentos de jogar futebol e tal, então, o que eu lia bastante quando eu era criança era a Turma da Mônica, eu gostava bastante de ler a Turma da Mônica. Mas nunca colecionei, nunca acompanhei muito mangás e outros quadrinhos.


TG: Quanto à dublagem dos games de Dragon Ball, em um de seus vídeos para o YouTube, você explicava, na descrição ou campo de comentários do vídeo, não lembro ao certo, nunca ter sido contatado pela produtora para realização da dublagem de nenhum game da série. Considerando que games de Cavaleiros do Zodíaco e Naruto já foram dublados em nossas terras, o que você atribui como o maior impeditivo de isso não ter ocorrido ainda, mesmo com grande demanda dos fãs?


WB: Dublar um game tem um custo, você lengedá-lo precisa de uma pessoa para fazer isso, ou pouco mais que isso, e para você fazer a localização de um game, vai depender do número de personagens que entram, além do pessoal que vai editar os áudios, enfim, tem toda uma demanda aí que, sei lá, vou chutar aqui 30 pessoas, então obviamente é muito mais caro. Aí você me pergunta “por que nunca dublaram, mesmo com grande demanda dos fãs”? É exatamente por isso. Como eles vendem, Dragon Ball é uma franquia muito querida, e muito atual – teve o Super recentemente, teve filme e tal – não param de surgir novos fãs, tem a galera de 35 anos… 40… e tem a galera agora de 8, 9, 10 anos de idade. Então, eles sabem que vai vender. Para que gastar esse dinheiro mandando dublar, mandando localizar? Esse é o meu palpite. Estou sendo aqui presunçoso porque eu não tenho as “informações reais”, né? Eu nunca falei com os produtores ou distribuidores para ter essa certeza, mas a minha desconfiança é essa. Tipo, não precisa gastar esse dinheiro porque vão comprar. Se isso não ocorresse, certamente chamariam as vozes para “colorir” isso, né? Porque em inglês, tem. Nos Estados Unidos, por exemplo, o game sai em inglês. Existe uma exigência e cultura do mercado, que aqui muitas vezes acaba não ocorrendo, aí os caras decidem por não gastar esse dinheiro.


TG: Você tem filhos, certo? Eles pretendem seguir seus passos na dublagem?


WB: Os meus filhos já dublaram, eventualmente. O Enzo tem 11 anos, a Melissa tem 6, eles já vieram aqui na UniDub, dublar uma coisinha ou outra, coisas pequenas. Se bem que a Melissa estrelou uma série infantil, de 52 episódios, e foi muito legal, ela curtia fazer. Já dublaram em outros estúdios também, mas com amigos, coisa bem pequena. Eu não faço questão que eles sigam meus passos, eu faço questão que eles sejam felizes, então qualquer decisão profissional que eles tomem, não sendo “não fazer nada”, eu vou apoiar, porque tudo que você faz com prazer, dando o foco e a energia necessária para aquilo você tende a ter sucesso e colher frutos. Então, o que eles optarem, vão sempre contar com meu apoio.


TG: Ao longo de vários anos dublando a série Dragon Ball, é natural você e os demais dubladores terem desenvolvido uma intimidade quase como a de uma família real. Alguns chegaram inclusive a casar, como o Alfredo Rollo, o dublador do Vegeta, e a Melissa Garcia, dubladora da Videl. Outros até cresceram no decorrer da série, como o Fábio Lucindo, dublador do Kuririn. Vocês se encontram com frequência ou somente quando surgem novos episódios/filmes de Dragon Ball?


WB: Os dubladores dublam todos os dias, o dia inteiro, em vários estúdios, então a coisa mais comum é eles se encontrarem pelos corredores dos estúdios, ou trabalharem juntos. Às vezes um está dirigindo, e o outro está dublando, e vice-versa, então a gente não se encontra em função de Dragon Ball. Os dubladores eles se encontram em função de todos os trabalhos que nós temos, todos os dias, o dia inteiro, na cidade de São Paulo.


TG: Antes, o estúdio responsável pela dublagem de Dragon Ball era a finada Álamo, mas com o fechamento das portas desta, o estúdio criado por você, a UniDub, ficou responsável pela dublagem da série. Deixando de ser apenas dublador e passando a ser um empresário, o ritmo de trabalho para você aumentou consideravelmente?


WB: Sim, desde que eu me tornei um “empresário”, vamos dizer assim, o meu ritmo de trabalho aumentou consideravelmente, tanto que hoje eu quase não dirijo mais filmes. Eu dirijo um filme por mês, ou a cada 45 dias, porque o dia a dia do estúdio, e tudo que tem a ver com pré-produção, com atendimento ao cliente, com pagamentos, com funcionários, com assinar documentos… então, só para você ter uma ideia, cada trabalho que é feito aqui, que é dublado, CADA ator assina um contrato e eu tenho que assinar TODOS os contratos que cada ator assinou. Então, eu assino cerca de 1200 contratos por mês, é muita coisa, às vezes até mais. Tem reuniões com a equipe, problemas diários que alguém tem que resolver, alguém tem que decidir, às vezes a equipe até resolve mas precisa de um aval, então fica muito corrido. Eu ainda dublo, os atores e personagens que costumo dublar, dirijo filmes eventualmente, toco a empresa no que é preciso, gravo vídeos para o canal, tento alimentar o Instagram da melhor maneira possível para manter o contato diário com os fãs, e sou casado, né? Tenho filhos, tenho boletos para pagar, então realmente, a minha vida é bem preenchida, de coisas a fazer, e o fato de ter se tornado empresário potencializou isso bastante.


TG: A versão dublada de Dragon Ball Super contou com muitas gírias e memes da época em que foi lançada (risos), sendo alvo de elogios por alguns e críticas por fãs mais conservadores. Qual seu ponto de vista sobre esse tipo de adaptação?


WB: A princípio tem até um vídeo no meu canal que fala sobre isso, eu não sou muito adepto de gírias, de adaptação, de memes, de coisas nas obras, a não ser que isso ocorra no original. Gratuitamente, a princípio, eu sou bem contra, porque eu acho que a dublagem tem a obrigação de respeitar a concepção da obra original. Então, não é uma coisa que me agrada, eu acho que a adaptação, a piadinha, ela tem que ser no momento em que é preciso adaptar, e não quando o dublador, o diretor, o tradutor, acham que vai ficar legal. Porque a dublagem, como um todo, ela não tem esse poder sobre a obra, né? É assim que eu vejo. Então eu não gosto de nada que regionalize ou que determine época para a dublagem, tipo, colocar uma gíria, sei lá, como “e aí, bicho”! É óbvio que é uma coisa dos anos 70, 80… e o filme às vezes é atemporal, ou a série é uma coisa atemporal, então eu não gosto desse tipo de adaptação gratuita.


TG: Ainda sobre a polêmica dublagem de Dragon Ball Super, em um de seus vídeos, você explicava, na descrição ou campo de comentários do vídeo, que uma segunda versão, sem essas adaptações, foi gravada e inclusive seria a disponibilizada quando a série fosse relançada em outro momento. Há planos para disponibilização desse conteúdo?


WB: Quanto às alterações e envio desse material, sinceramente, não é uma parte com a qual eu lido. Eu sei que foram feitos alguns, que eram mais gritantes, não sei se o cliente recolocou ou substituiu. Eu realmente não sei. Mas o fato é que coisas foram gravadas e foram enviadas. Agora, se já foram substituídas ou não, aí foge um pouco da esfera aqui do estúdio. Depende do cliente… depende do cliente do cliente… é um processo que foge da nossa alçada. Eu espero que sim.


TG: Agora o nosso modo turbo, faço perguntas e você responde de forma mais rápida!


TG: Um anime?

WB: Dragooon Baaaall Z

TG: Um filme?

WB: O que sempre me vem à mente é Diário de uma Paixão. Tem milhares que eu amo, que eu adoro, de trabalhos que eu fiz, mas Diário de uma Paixão é um trabalho e um filme que me toca.

TG: Um game?

WB: Detroit: Become Human, onde eu faço o Markus, que é um dos protagonistas da história. Muuuita gente me deu um retorno positivo sobre isso e foi o primeiro personagem grande de um game que eu fiz.

TG: Um momento?

WB: São quase 40 anos de trabalho como dublador, momentos não me faltam (risos), mas… é… poxa, que difícil escolher… um momento… o que me vem à cabeça agora foi um momento em que eu estava gravando, eu era pré-adolescente, e a gente dublava junto, o elenco inteiro estava dentro do estúdio e eu tinha que chorar e eu estava fazendo com vergonha, até que o diretor me cobrou, cobrou, cobrou e eu resolvi fazer ali para valer e quando eu terminei a cena todo mundo que estava no estúdio aplaudiu. E ali eu comecei a perceber que na dublagem você não pode ter vergonhas. Você tem que se soltar, se entregar para o personagem e que isso sim que era dublar.

TG: Um personagem?

WB: Goku! Sem dúvida nenhuma.


TG: Muito obrigado pela entrevista, grande ídolo! Nós do Teoria Geek desejamos tudo de melhor em sua carreira e sua vida! Que seja repleta de momentos emocionantes! Espero que um dia tenha oportunidade conhecê-lo pessoalmente e possa pegar um autógrafo em um de meus mangás de Dragon Ball! Por fim: alguma mensagem para seus fãs e para aqueles que pretendem seguir carreira na área da dublagem?


WB: Muito obrigado pela entrevista! Agradeço de coração pelo carinho de vocês e desejo muito sucesso, muita saúde para todos nós! E “vamo que vamo”, que 2020 ainda vai começar!


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