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Better Call Saul: Última Temporada | Confira nossa crítica

Better Call Saul
Ficha Técnica
Título: Better Call Saul
Ano de Produção: 2022
Dirigido Por: Vince Gilligan, Thomas Schanauz e mais
Estreia: 18 de abril 
Duração: 13 episódios
Classificação: 16 anos
Gênero: Drama/Comédia/Policial
País de Origem: Estados Unidos
Sinopse: Jimmy McGill, também como conhecido como Saul Goodman, tenta ser um homem honesto e construir uma carreira de respeito. Mas há um lado seu que só quer aplicar golpes e se tornar um advogado picareta.

 

Com o fim de “Better Call Saul”, prelúdio de “Breaking Bad” focado no advogado Saul Goodman, a sensação que fica é a do término de algo maior. A série, produzida pela AMC e distribuída no Brasil pela Netflix, manteve-se por seis temporadas num padrão que agora parece quase extinto. Com episódios semanais, lançados no canal de TV americano, seguiu a tradição da “Era de Ouro” contemporânea, com séries como “Sopranos”, “Mad Men” e a própria “Breaking Bad”.

É justa a afirmação de que essas séries são exemplos primorosos de condução narrativa, que se utilizam muito bem de todos os preceitos da narração clássica, com suas pistas e recompensas bem definidas, rimas visuais e temáticas, flashbacks e flashforwards. No geral, que seguem uma forma de contar histórias que constrói um mundo verossímil e encena uma série de situações que reforçam os temas da obra e ilustram as jornadas transformadoras dos personagens. É assim, também, que trabalha “Better Call Saul”, que neste sexto e último ano teve que, além de completar a narrativa sobre Jimmy, Kim e cia. no período antes de “Breaking Bad”, ultrapassar a cronologia de sua antecessora para encerrar a história de Saul Goodman.

Uma vez que grande parte dos acontecimentos posteriores já são conhecidos pelo espectador, os criadores Vince Gilligan e Peter Gould abraçaram de vez, na série, o cálculo e a lenta e milimétrica construção dos personagens. “Breaking Bad” constantemente lidava com correções de rumo, enquanto BCS pode se dar ao luxo de retomar acontecimentos, objetos de cena, falas de temporadas passadas, com a certeza de reiterar as escolhas que levarão a um final praticamente já definido de antemão. Também porque, mais do que uma obra focada na ação de seus protagonistas, o interesse é mesmo nas reações, em como cada um deles irá lidar com os acontecimentos que cismam em colocá-los cada vez mais envolvidos no mundo do crime. Em como Saul tentará mais uma vez escapar de um destino inevitável. Em como cada pequenos gestos e olhares definem uma transformação. Saul Goodman é, afinal, um advogado. Sua forma de reagir e tentar controlar seus arredores é através dos discursos, das entonações, das histórias que ele inventa.

Mas o Novo México da série é um lugar incontrolável. É a partir da construção do mundo ficcional, como de costume nas narrativas clássicas, que se pode desenvolver os dramas e situações. O realismo das ambientações da série sempre aparece com um algo a mais, com um formalismo lúdico, mas não menos melancólico, ao retratar as instituições underground dos traficantes, suas regras, seus locais de fachada, a encenação mentirosa de uma superficialidade banal que esconde os perigos e enganações da lei e do crime. Enfim, uma preocupação cuidadosa com os elementos expressivos, dos enquadramentos inesperados às cores saturadas e a criação de simbologias. Presos neste mundo, os protagonistas estão alienados de verdadeiras formas de escolha, por isso o ritmo mais lento, os planos que parecem distanciar os espectadores do drama ficcional que se desenrola, chegando ao preto-e-branco totalmente frio da cronologia pós-“Breaking Bad”.

O que resta, aos personagens e à série, é encontrar novas maneiras de tentar escapar, ainda que seja impossível, do destino selado, do ambiente impositivo, das instituições criminosas e dos próprios traumas. Jimmy e Kim se divertem com as armações que criam para Howard, por mais trágicas que as consequências possam ser; são as falcatruas que impulsionam o relacionamento instável, mas verdadeiro, dos dois. Mike pausa seu trabalho para conversar por telefone com a neta e a nora. Os diretores de cada episódio sempre trazem novas formas de repetir e subverter visualmente as temáticas dos arrependimentos e dos amores mal resolvidos. Ao passar dos anos, quanto mais a série de distanciava da dúvida de ser apenas um derivado de outra obra, mais todas as tramas e situações convergiam para guiar os caminhos tortuosos dos protagonistas.

Nesta sexta e última temporada, “Better Call Saul” completa sua independência, encerrando os arcos dos antagonistas com vários episódios de antecedência. Além de se assumir praticamente como uma outra série nas horas finais, com toda a liberdade para narrar a derrocada de Jimmy para além dos acontecimentos de “Breaking Bad”. Uma nova e derradeira jornada, como o crepúsculo de um anti-herói, ainda mais melancólica e alienada. Aqui se confirma o sucesso da travessia na corda-bamba em que caminhou desde o começo, ao conseguir trazer as tão aguardadas participações especiais não como meros fan-services, mas para complexificar tudo o que já tinha sido visto até ali. O último episódio é um exemplo perfeito disso, retomando pontos cruciais de ambas as séries para reafirmar seus temas, suas figuras expressivas e metáforas. Saul Goodman não precisa de Walter White para existir, mas Walter White precisou de Saul Goodman para ser Heisenberg.

E, na prevalência das palavras e dos gestos, dos discursos e dos olhares, “Better Call Saul” termina sem alarde, diferente do que o fim da quinta temporada podia parecer indicar. Jimmy McGill, ou Saul Goodman, é um advogado. É para o tribunal e para o convencimento que sua vida existe. A série termina assumindo de vez o que sempre fora, para além da ação e do suspense policial: uma comédia dramática e um drama de tribunal. É na última corte, e com sua última enganação, que Saul tenta escapar do destino sem escapatória. Com as últimas rimas visuais, com os últimos enquadramentos elegantes, com o último discurso elaborado. Encerrando o tipo de obra que se vê cada vez menos na era dos streamings. O tipo de obra de um equilíbrio clássico, de narrativa poderosa, de texto afiado e visual estimulante. Não menos hilária por ser tão desafiadora. O tipo de obra que entende que muito pode ser dito tanto nos diálogos inspirados, quanto num plano, pensado através do uso de luz e sombra contrastantes, de duas pessoas encostadas numa parede compartilhando um cigarro.

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